Coisa julgada no CPC: quando ocorre e como é constituída?

A coisa julgada pode ser definida como uma qualidade conferida à sentença judicial contra qual é incabível recurso, sendo assim, imutável e irrefutável, tornando definitiva a decisão que enfrentou a questão principal do processo.  

A conceituação de coisa julgada está disposta no artigo 502 do Código de Processo Civil, que a retrata como uma autoridade que impossibilita que a decisão de mérito, da qual não cabe mais recursos, seja modificada ou discutida.

Quer entender melhor quando ocorre a coisa julgada no CPC e como ela é constituída? Continue lendo o artigo!

Quando ocorre a coisa julgada?

Do modo mais sucinto e objetivo possível, pode-se afirmar que a coisa julgada ocorre quando a sentença judicial se torna irrecorrível, ou seja, quando não permite mais a interposição de recurso algum.

Esse fenômeno visa oferecer segurança jurídica às decisões judiciais e impedir que os conflitos desse âmbito se perpetuem.

Veja o que expõe o artigo 502 do Código de Processo Civil, principal dispositivo, que conceitua a coisa julgada!

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Quais os tipos de coisa julgada?

A coisa julgada pode ser formal, material, total, parcial, sobre questão prejudicial ou tutela antecipada antecedente.

Confira todas as espécies!

Coisa julgada formal

A coisa julgada formal é um fenômeno que sucede internamente no processo, afetando direitos e faculdades processuais, se tratando do momento que não é mais cabível nenhum recurso ou tendo acontecido o exaurimento das vias recursais.

Desse modo, podemos afirmar que a coisa julgada formal simboliza a imutabilidade do ato final do processo, que pode se dar como uma sentença ou um acórdão, por exemplo, que não está mais sujeito a recurso.

Coisa julgada material

A coisa julgada material é um fenômeno relacionado, de forma exclusiva, às decisões definitivas ou de mérito, gerando efeitos além dos limites processuais em que foi pronunciada. 

A decisão não mais poderá ser modificada ou desconsiderada em outros processos. Assim sendo, a coisa julgada material não é efeito da sentença, esta é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito.

É uma das qualidades da sentença, ou seja, a de tornar imutável o comando que emane de seu dispositivo.

Vale ressaltar que, não são os efeitos da sentença que se tornam imutáveis, mas, sim, a norma jurídica concreta estabelecida pelo julgamento, e que irá disciplinar a relação litigiosa.

Coisa julgada total e parcial

Existindo uma sentença com diversos capítulos, a parte que sucumbiu poderá apresentar recurso de um deles (parcial) ou de todos (total).

Os capítulos poderão ser autônomos e independentes ou apenas autônomos.

Mesmo que a parte impugne somente parcela dos autônomos, não há que falar em coisa julgada do capítulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do resultado de seu julgamento, o capítulo não impugnado poderá ser reformado.

Contudo, para grande parcela da doutrina, quando os capítulos forem independentes, a impugnação de somente alguns deles faz com que aqueles não impugnados transitem em julgado. Sendo capítulos de mérito formarão a coisa julgada material parcial.

Interessante relatar que, o CPC apresenta em sua legislação a mesma ideia da tese do STJ, ao prever um só momento e um único prazo para o ajuizamento da rescisória, além de haver a possibilidade de múltiplas decisões de mérito.

Coisa julgada sobre questão prejudicial

No que se refere à questão prejudicial, esse caso se caracteriza pelo fato de seu julgamento, que precede, de maneira lógica, a decisão da questão principal, influir necessariamente no conteúdo desta.

A designação de prejudiciais será aplicável às questões cuja solução depender de fato o teor da solução que se haja de dar a outras questões.

Assim, a decisão que tenha por conteúdo questão prejudicial se sujeitará à autoridade da coisa julgada, tornando-se imutável e indiscutível em processos posteriores.

Coisa julgada sobre tutela antecipada antecedente

No que se refere às decisões que concedem a tutela antecipada antecedente, elas continuam produzindo efeito, mesmo após a extinção do processo, e a esse acontecimento se chama estabilização da tutela antecipada antecedente.

O CPC possibilitou às partes o direito à rediscussão da tutela antecipada antecedente estabilizada.

Para que isso ocorra, necessitam repropor a ação com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.

Esse direito de reanálise da tutela antecipada antecedente tem o limite de 2 anos para ser exercido, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.

Cessando esse prazo, surgirá uma nova situação jurídica, que se define pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, acerca do conteúdo da decisão que concedeu a tutela antecipada antecedente.

Esse tipo de coisa julgada imutabiliza e torna indiscutível uma decisão cujo conteúdo é uma tutela antecipada antecedente.

Quais os limites da coisa julgada?

Os limites da coisa julgada podem ser objetivos ou subjetivos, veja!

Limites objetivos da coisa julgada

No que se refere aos limites objetivos da coisa julgada, pode-se afirmar que é a verificação daquilo que transitou em julgado, assim sendo, é saber quais as partes da sentença estão protegidas pela imutabilidade e indiscutibilidade.

Foi adotado no ordenamento jurídico brasileiro a teoria de que apenas a parte dispositiva da sentença faz coisa julgada, conforme disposto no artigo 504 do CPC:

Art. 504. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Assim, nota-se que os motivos e a verdade dos fatos estão todos alojados nos fundamentos ou na motivação da sentença, de sorte que somente a parte dispositiva fica recoberta pela coisa julgada material.

Contudo, vale dizer que o regime do CPC estrutura os limites objetivos da coisa julgada material, não mais em função da resposta ao pedido, pois a força de tornar indiscutível e imutável o julgamento transitado em julgado recai sobre as questões de mérito resolvidas, de modo expresso, sejam elas incidentais ou principais.

Limites subjetivos da coisa julgada

Ao passo que os limites objetivos da coisa julgada visam entender qual parte da sentença transita em julgado, os limites subjetivos buscam saber quem será beneficiado ou prejudicado pela sentença.

O limite subjetivo da coisa julgada é definido pelo artigo 506 do CPC, que dispõe:

Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Esse dispositivo indica quais os sujeitos serão atingidos pela imutabilidade do comando emergente e os efeitos da sentença.

Contudo, poderá, de forma excepcional, influenciar a terceiros, no caso da decisão judicial se revestir de ato de império do Estado, conforme a Teoria dos Efeitos Reflexos da Coisa Julgada, que procura a influencia que a sentença proferida inter partes poderia provocar em relação a terceiros.

Diante disso, a decisão produziria efeitos previstos entre as partes do processo e indesejáveis em relação a terceiros.

Assim, o CPC ao dispor em seu artigo 506, que a coisa julgada apenas não pode prejudicar quem não foi parte do processo, reflete que nada impede que o terceiro possa se beneficiar da coisa julgada.

Desta forma, o Código de Processo Civil de 2015 modificou o direito brasileiro arcaico e impactou no impróprio pensamento de que a coisa julgada não poderia ser invocada por terceiro que não obtiver participação no processo.

Qual a diferença entre litispendência e coisa julgada?

Para entender a diferença entre litispendência e coisa julgada, é necessário saber que a litispendência sucede quando há mais de uma ação com as mesmas partes, mesmas causas e mesmos pedidos ajuizados.

A litispendência pode ser vista como um vício processual, uma vez que não pode ocorrer para que o procedimento se instaure de modo válido, pois o seu surgimento poderá provocar a extinção sem resolução de mérito de uma das demandas.

Entretanto, a litispendência é um dos instrumentos mais relevantes e importantes para a efetividade do Sistema Jurídico e do Estado Democrático de Direito no Brasil, devido ao fato de que sem ela, todo o sistema judiciário estaria coberto de repetições e contrassensos.

Desta forma, sabendo do que se trata a coisa julgada, já explanada neste artigo, e agora entendendo o que se trata a litispendência, pode-se dizer que a principal diferença entre litispendência e coisa julgada ocorre na etapa processual das ações repetidas.

A coisa julgada, material ou formal, é a qualidade de uma ação já sentenciada e irrecorrível. Assim sendo, verifica-se que já houve discussão, em juízo, do objeto da ação, enquanto a litispendência diz respeito à existência de duas ou mais ações idênticas e pendentes de julgamento.

Sobre essa distinção é interessante ler a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de Recurso Especial:

RECURSO   ESPECIAL.   PROCESSUAL   CIVIL.   CONSUMIDOR.   PEDIDO  DE CUMPRIMENTO  INDIVIDUAL  DE  SENTENÇA COLETIVA. AÇÃO DE CONHECIMENTO INDIVIDUAL.  CONCOMITÂNCIA.   LITISPENDÊNCIA   NÃO   CARACTERIZADA. AUSÊNCIA  DE  TRÍPLICE  IDENTIDADE. COISA JULGADA MATERIAL COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE  DE  NOVO  JULGAMENTO  POSTERIOR.  RECURSO  ESPECIAL DESPROVIDO.

1.  Nos  termos  do  art.  104  do  Código  de Defesa do Consumidor, adotou-se,  no Brasil, o sistema opt out para alcance dos efeitos da coisa  julgada erga omnes produzida no julgamento de procedência das ações  coletivas de tutela de direito individual homogêneo, ao mesmo tempo   em  que  se  afastou,  expressamente,  a  caracterização  de litispendência,  mesmo  porque  ausente  a  tríplice  identidade dos elementos da ação. 

[…]

3.  A  coisa  julgada  material,  além  de  consistir  em importante instrumento  de  segurança  jurídica  e pacificação social, obsta ao Poder   Judiciário  a  reapreciação  da  relação  jurídica  material acertada.

4. Havendo coisa julgada material, compete ao réu (arts. 301, VI, do CPC/1973  e  337,  VII,  do  CPC/2015)  sua alegação perante o Juízo competente  para  julgamento  de mesma relação jurídica material, in casu, o Juízo perante o qual tramita a ação de conhecimento.

(STJ, 3º TURMA, REsp 1620717/RS, rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 17/10/2017, publicado em 23/10/2017)

Quais questões prejudiciais envolvem a coisa julgada?

O antigo Código de Processo Civil de 1973 eliminava da coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo, enquanto o Novo Código de Processo Civil de 2015 seguiu uma direção oposta, ou seja, a coisa julgada traz a possibilidade de se abranger a resolução de questão prejudicial, desde que observados os requisitos.

Será considerada prejudicial aquela questão referente à outra relação ou estado que se demonstra como mero antecedente lógico da relação controvertida, mas que poderia, por si só, ser objeto de um processo separado.

O CPC atual modificou o tratamento da questão prejudicial, uma vez que não há mais ação declaratória incidental. O que era abordado naquela extinta ação passa a ser uma alegação no curso do processo e se resolve na sentença, juntamente com o mérito da ação.

Como vimos, a coisa julgada recobrirá a questão prejudicial, decidida expressa e incidentalmente no processo judicial, entretanto, para que isso aconteça, deve-se observar os requisitos que estão tratados no § 1º, do artigo 503 do CPC:

  • Da resolução da questão prejudicial deve depender o julgamento do mérito;
  • A seu respeito deve ter havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando na situação da revelia;
  • O juízo precisa ter competência em razão da matéria e da pessoa para solucionar a prejudicial como questão principal.

E é em virtude disso e dessa preocupação, que o § 2º do art. 503 não permite a formação da coisa julgada, no que se refere à questão incidental, quando a causa principal for daquelas sujeitas à restrições probatórias ou limitações à cognição, que tenham impedido o aprofundamento de sua análise.

O CPC, embora não exija o manejo da ação declaratória incidental para que a solução da questão prejudicial realize a coisa julgada, a possibilidade da parte recorrer, de maneira formal, a tal incidente se mantém por dois motivos:

  • No caso da arguição de falsidade de documento, o CPC prevê a faculdade conferida à parte de efetuá-la como simples defesa;
  • Como objeto de ação declaratória incidental, e só nesta última hipótese haverá formação de coisa julgada a seu respeito.

Enfim, é permitido reconhecer interesse à parte a preordenar a arguição ao cumprimento do contraditório e demais requisitos sem os quais a solução da prejudicial não passará de simples motivo da sentença.

Posto isso, lícito será o interesse do arguente de requerer que o tratamento procedimental a ser dispensado, satisfaça as exigências do artigo 503, §§ 1º e 2º do CPC.

E se você gostou do que foi tratado aqui, provavelmente gostará de entender mais sobre o que é impugnação ao cumprimento de sentença e o seu funcionamento!

Agravo de instrumento trabalhista: o que é e qual o cabimento? Software Jurídico ADVBOX
Autor
Comunicação & Conteúdos

Equipe ADVBOX